Dispensacionalismo, pré-tribulacionismo e pré-milenarismo
Em Teologia Sistemática, Escatologia é o estudo dos últimos eventos previstos na Palavra profética, os que ainda “hão de acontecer” (Ap 1.19; 4.1) conforme a soberana vontade de Deus (GILBERTO, p. 7-12). Neste artigo, procurarei demonstrar, mediante a comparação de algumas escolas escatológicas, que o pré-tribulacionismo — pré-milenarista e dispensacionalista — é a que melhor se coaduna com as Escrituras.
Para o pré-tribulacionismo, o primeiro evento escatológico é o Arrebatamento da Igreja (1 Ts 4.16,17), que não deve ser confundido com a Manifestação do Senhor (Mt 24.29-31). Esse rapto ocorrerá de modo secreto, antes da Grande Tribulação, que, segundo cálculos complexos, terá duração de sete anos (cf. Dn 9; Ap 11-16; Mt 14.15-21 etc.). Isso tem sido contestado por outras duas escolas. Segundo o mesotribulacionismo, a Igreja enfrentará a primeira metade da Grande Tribulação. E, para o pós-tribulacionismo, os salvos já estão passando por tribulações, que se intensificarão até que Cristo venha.
Principais escolas escatológicas
Há quatro modos de interpretar o livro de Apocalipse. O futurista, segundo o qual os textos apocalípticos apontam para o futuro. O historicista, que vê as profecias como simbólicas, relacionando-as com a História. O idealista, que considera tais textos como meras expressões idealizadas da luta entre o bem e o mal. E o preterista, que interpreta as profecias como já cumpridas, especialmente no primeiro século (JONES, p. 58-76).
Em Apocalipse 1.19, o Senhor Jesus aplica um duro golpe no preterismo, ao dizer a João: “Escreve as coisas que tens visto, e as que são, e as que depois destas hão de acontecer”. Mais que apresentar a divisão do livro, o Senhor deixa claro que a parte profética de Apocalipse alude ao futuro. De fato, a partir do capítulo 4, tudo é escatológico, com exceção das revelações parentéticas, isto é, os parênteses contendo profecias já cumpridas.
Uma dessas revelações parentéticas está em Apocalipse 12, que menciona uma “mulher vestida do sol” (v. 1) dando à luz a um Menino (Jesus) e sendo protegida por Deus contra a fúria do Dragão (Satanás). Quem é essa mulher? Essa pergunta nos instiga a “dialogar” com mais quatro escolas gerais de interpretação, além das três escatológicas citadas: a aliancista, a neoaliancista, a dispensacionalista clássica e a dispensacionalista progressiva.
Para o aliancismo, Deus só tem um plano: com a Igreja. A aliança com Israel vale para os cristãos. As promessas feitas aos israelitas, ou já se cumpriram durante o reinado de Salomão (cf. 1 Rs 4.21), ou se cumprirão por meio da Igreja, o “Israel de Deus”. Os neoaliancistas dizem o mesmo de outra forma, defendendo que a aliança com Israel é apenas uma figura da nova aliança. Nesse caso, para ambas as escolas, a mulher em Apocalipse 12 é a Igreja.
Precisamos agora abrir um parêntese para introduzir mais duas escolas escatológicas que estudam o Milênio, a amilenarista e a pós-milenarista, já que estas são regidas pelo aliancismo. Os amilenaristas afirmam que não haverá um Milênio literal; Jesus já está reinando, espiritualmente, pois prendeu Satanás, simbolicamente. Os pós-milenaristas creem de modo semelhante: o Diabo foi esmagado, de modo pactual, e já estamos num “milênio”, que durará até a Segunda Vinda. Para essas duas escolas, Cristo conquistará o mundo progressivamente pela vitória do evangelho (BOCK, 2001).
Dispensacionalistas clássicos, além de identificarem, nas Escrituras, várias dispensações (períodos em que Deus trata com seu povo por meio de pactos específicos), dizem que o Senhor tem um plano para Israel e outro para a Igreja (1 Co 10.32; Rm 11), uma vez que a aliança com Israel é perpétua (Gn 17.7,13). Não há motivo para forçar Apocalipse 12 a dizer que a mulher é a Igreja. Afinal, ela dá à luz ao Menino, Cristo, que afirmou: “estabelecerei a minha igreja” (Mt 16.18). Ora, se a Igreja foi fundada por Jesus, Ele não “saiu” dela, e sim o inverso. Nesse caso, a mulher só pode ser Israel.
O pré-milenarismo (outra escola que estuda o Milênio) se baseia nos pressupostos do dispensacionalismo clássico para defender a ideia de que Jesus virá antes dos “mil anos” — que serão literais (Ap 20.1-7) — para cumprir a promessa de restaurar o reino a Israel (Mt 24.3; At 1.7). Já os dispensacionalistas progressivos, por outro lado, não fazem distinção entre Israel e Igreja e desgastam as características do próprio dispensacionalismo, a fim de dialogarem com o aliancismo. Ao fim e ao cabo, é uma espécie de semidispensacionalismo ou semialiancismo (LAHAYE; HINDSON, p. 139-153).
Arrebatamento secreto da Igreja
A doutrina do Arrebatamento secreto e pré-tribulacional, defendida pelos dispensacionalistas clássicos, tem sofrido muita oposição por parte dos proponentes de outras escolas citadas. Alega-se, por exemplo, que o termo “arrebatamento” sequer aparece na Bíblia. Mas essa contestação é frágil, já que o mencionado vocábulo deriva da frase “seremos arrebatados” (1 Ts 4.17). Aqui, o verbo “arrebatar” (gr. harpazō) tem o sentido de “raptar” (cf. Mt 13.19; Jo 6.15; 10.12,28,29), à semelhança do que aconteceu ao diácono-evangelista Filipe (At 8.39,40).
Críticos do pré-tribulacionismo dizem, também, que a ideia do Arrebatamento secreto é um contrassenso, pois “todo olho o verá” (Ap 1.7). No entanto, a quem o Senhor Jesus dirigiu as palavras contidas em João 14.3? A todo o mundo ou à Igreja? À Igreja, que começou com os doze apóstolos, à qual prometeu: “virei outra vez e vos levarei para mim mesmo, para que, onde eu estiver, estejais vós também”. Aqui, o verbo “levar” (gr. paralambanō) também denota “raptar” (cf. Mt 2.13,14; Mc 9.2; Mt 24.40,41).
O rapto dos salvos vivos é análogo à ressurreição dos mortos em Cristo, visto que esses dois grupos subirão juntos ao encontro do Senhor, nos ares (1 Co 15.51,52; 1 Ts 4.16,17). À luz de Lucas 20.35 e Filipenses 3.11, a ressurreição dos salvos, chamada, literalmente, de ressurreição “dentre todos os mortos” (gr. ek ton nekron), será secreta e seletiva. Por que a transformação e o arrebatamento dos salvos vivos seriam públicos? Portanto, assim como os mortos em Cristo ressuscitarão dentre todos os mortos, os salvos vivos também serão arrebatados dentre todos os vivos.
Quando examinamos Hebreus 9.28, nossa convicção de que a transformação, num abrir e fechar de olhos, e o rapto dos salvos ocorrerão de modo secreto se torna mais firme. O autor de Hebreus diz que Cristo “aparecerá segunda vez aos que o aguardam para a salvação”. O verbo “aparecer” (gr. horaō), aqui, denota “ser visto”. Nesse caso, por quem Jesus será visto, no Arrebatamento? Pelo mundo todo? Não! Somente pelos que “o aguardam para a salvação”, o que se coaduna com João 14.3.
Examinemos o uso do mesmo verbo em 1 Coríntios 15.5-8. Paulo afirma que o Cristo ressurreto, antes de sua ascensão, “foi visto” (gr. horaō) por todos os apóstolos, Tiago, irmão do Senhor, e mais de quinhentos irmãos. Todas essas reuniões com o Senhor ocorreram de modo secreto. Aliás, reuniões secretas de Jesus com os salvos não é nenhuma novidade (cf. At 1.3; Jo 12.28,29; At 22.9). Assim, por ocasião do Arrebatamento, somente os salvos o verão!
Outro texto significativo, nesse sentido, é Atos 1.9-11, no qual se menciona que Jesus há de descer do céu assim como subiu. Na sua ascensão, somente os seus discípulos o viram subindo até as nuvens. Por que, no Arrebatamento, todo o mundo haveria de vê-lo? Portanto, somente os salvos verão o Senhor descendo até as nuvens, pois Ele “há de vir assim como para o céu o vistes ir” (v. 11; cf. ZIBORDI, 2012).
Arrebatamento pré-tribulacional da Igreja
Pré-tribulacionistas creem que a Segunda Vinda terá duas etapas. Por isso, não se incomodam com a ênfase de que “todo o olho o verá” (Ap 1.7). Na primeira etapa, o Arrebatamento, os salvos irão ao encontro do Senhor nos ares, antes da Grande Tribulação (1 Ts 4.16,17; 5.3-8). Na segunda, no fim desse período de sete anos, Ele se manifestará diante de todos, para destruir o império do Anticristo, o que é corroborado pela linha do tempo de Apocalipse 19-22, trecho desse livro que está, rigorosamente, em ordem cronológica.
João avista a Igreja glorificada no Céu, nas Bodas do Cordeiro, durante a Grande Tribulação (Ap 19.1-10). Logo depois, vê Cristo descendo do céu com a Igreja (vv. 11-16). Em seguida, mencionam-se: a batalha do Armagedom (vv.17-19); a vitória de Cristo sobre o Anticristo e o Falso Profeta (vv. 20,21); a prisão de Satanás (20.1-3); a ressurreição dos mártires da Grande Tribulação e o Milênio (vv. 4-6); a liberação do Diabo, após os mil anos, e sua condenação (vv. 7-10); o Juízo Final (vv. 11-15); e a eternidade (caps. 21-22).
Para os amilenaristas, a discussão sobre a possibilidade de a Igreja passar pela Grande Tribulação é inócua, pois eles sequer acreditam que esse período ocorrerá. Preteristas, hermeneuticamente falando, dizem que esse grande evento — para os pré-milenaristas, que são futuristas — já aconteceu por ocasião da destruição de Jerusalém, em 70 d.C., e que o Anticristo foi o imperador Nero (37-68 d.C.).
Essa tese não se sustenta, visto que a maioria dos historiadores afirma que Apocalipse foi escrito no fim do século I, entre 90 e 95 d.C., nos últimos dias de Domiciano (51-96 d.C.). Por que Jesus, cerca de vinte anos depois da destruição de Jerusalém, diria a João: “Escreve as coisas que […] depois destas hão de acontecer” (Ap 1.19)? Ademais, ao discorrer sobre a Grande Tribulação, Ele disse que esta será um evento sem precedentes e incomparável (Mt 24.21).
Pós-tribulacionistas afirmam que o Arrebatamento e a Manifestação do Senhor são o mesmo evento. Acreditam, portanto, que a Igreja continuará passando por tribulações, cada vez mais intensas, até a Segunda Vinda. Já para os mesotribulacionistas, Cristo livrará a Igreja em meio à Grande Tribulação, permitindo, inclusive, que ela sofra os vis ataques do Anticristo constantes de Apocalipse 13.
Essas duas escolas acusam o pré-tribulacionismo de se apegar exageradamente à simbologia profética, ao afirmar que a Igreja não passará pela Grande Tribulação. No entanto, além das conhecidas analogias (arrebatamento de Enoque, livramento da família de Noé etc.) pelas quais alguns pregadores defendem a ideia de que a Igreja escapará dos juízos tribulacionais (Lc 21.36, ARA), há passagens que confirmam tal livramento de modo eloquente.
Apocalipse 4 talvez seja o capítulo bíblico mais emblemático quanto ao rapto pré-tribulacional da Igreja, no qual o Senhor revela a João, de modo profético, através de símbolos, o futuro glorioso da Igreja. Esse apóstolo vê “uma porta aberta no céu” e 24 anciãos ao redor do trono de Deus (vv. 1-4), os quais não são anjos, pois, em nenhum lugar do Novo Testamento, seres angelicais são chamados de “anciãos” (gr. presbyteros).
Esses “presbíteros” estão assentados em tronos, o que é curioso, pois Jesus tinha acabado de prometer isso à Igreja (Ap 3.21; cf. Mt 19.28). Eles usam vestes brancas e coroas de ouro, o que o Senhor também acabara de prometer aos salvos (Ap 2.10; 3.4,5,11). Têm harpas e salvas de ouro cheias de incenso, que são as orações dos santos (5.8). E cantam um novo cântico, que dá ênfase à morte expiatória do Senhor (v. 9). Ora, se não são uma categoria angelical, como querubins e serafins, só podem ser um novo grupo no céu!
Quanto ao número 24, no próprio livro de Apocalipse explica-se, indiretamente, que alude às 12 tribos de Israel e aos 12 apóstolos do Cordeiro (cf. 21.12-14). Estas e todas as outras características citadas não deixam dúvida de que esses anciãos representam a Igreja, formada pelos salvos de todas as épocas. E, nesse caso, não resta mais nenhuma dúvida de que ela estará no céu antes da abertura dos sete selos, que aludem aos primeiros juízos, logo no início da Grande Tribulação (cf. caps. 4-6).
Se voltarmos ao capítulo anterior de Apocalipse, veremos o Senhor prometendo guardar a igreja de Filadélfia “da hora da tentação que há de vir sobre todo o mundo” (3.10). Aqui, o sentido é de “guardar da”, e não “guardar através da” (HORTON, 1995, p. 62). Jesus não prometeu àqueles crentes — e a nós, por extensão (cf. vv. 13,22) — que não morreriam, e sim que seriam guardados de algo que virá “sobre todo o mundo”, que só pode ser a Grande Tribulação, da qual todos os arrebatados serão guardados.
Apocalipse 4 se conecta perfeitamente ao capítulo 19 do mesmo livro, passagem que também não deixa dúvida quanto ao fato de que a Igreja estará nas Bodas Cordeiro durante a Grande Tribulação. João vê os salvos, que formam os exércitos do Senhor, vindo à terra com Ele (19.1-14). Aqui, a Nova Jerusalém é chamada de Noiva (vv. 9,10), o que é uma metonímia em referência aos moradores dessa gloriosa Cidade, “inscritos no livro da vida do Cordeiro” (v. 27; 22.3-5).
Escritos de Paulo mostram que ele era pré-tribulacionista (risos). Consideremos as suas afirmações em 1 Tessalonicenses 5.3-9, logo após mencionar o Arrebatamento: “sobrevirá repentina destruição” aos filhos das trevas, que “de modo nenhum escaparão”; quanto aos salvos, como filhos da luz, não serão surpreendidos por “aquele Dia”, que virá “como um ladrão”, pois “Deus não nos destinou para a ira” (cf. 1.10).
Pré-tribulacionistas interpretam a segunda carta de Paulo aos crentes de Tessalônica à luz da primeira e de tudo o que o Senhor Jesus ensinou, em Apocalipse e no seu sermão profético (Mt 24-25). Por isso, não supervalorizam a tese, baseada em 2 Tessalonicenses 2.3 (fora de contexto), de que não haverá Arrebatamento pré-tribulacional e secreto, visto que a volta de Jesus só acontecerá após a manifestação do Anticristo.
Em 2 Tessalonicenses 2, evidentemente, Paulo dá sequência ao assunto apresentado na primeira carta e alude à Manifestação do Senhor após a chegada do “homem do pecado”. Ao citar a “apostasia”, ele faz uma conexão com a “operação do erro” (v. 11), que já é uma realidade nos dias de hoje (cf. 1Jo 4.3), mesmo antes da manifestação pessoal e visível do Anticristo, o que se constitui, nesse caso, um sinal dos “últimos dias”, inclusive do Arrebatamento (cf. 1Tm 4.1-5).
Aliás, em 2 Tessalonicenses 2.6-8, Paulo assevera que “o iníquo” só se manifestará em pessoa depois que for tirado “o que o detém”. Este, segundo alguns dispensacionalistas, é o Paráclito, que sairá da terra junto com a Igreja. Mas essa tese não parece muito lógica, já que desconsidera a onipresença e a imensidade do Espírito Santo. O mais coerente seria afirmar que esse que impede a manifestação do Anticristo é o próprio povo de Deus, que será arrebatado antes da “ira futura” (1 Ts 1.10).
Maranata!
Fonte: CPAD News
Por: Ciro Sanches Zibordi
Referências
BOCK, Darrell L. O Milênio: 3 pontos de vista. São Paulo: Editora Vida, 2001.
GILBERTO, Antonio. O Calendário da Profecia. Rio de Janeiro: CPAD, 1989.
HORTON, Stanley M. A Vitória Final: uma investigação exegética do Apocalipse. CPAD, 1995, Rio de Janeiro-RJ.
JONES, Timothy Paul. Guia Profético para o Fim dos Tempos. Rio de Janeiro: CPAD, 2016.
LAHAYE, Tim; HINDSON, Ed. Enciclopédia Popular de Profecia Bíblica. Rio de Janeiro: CPAD, 2008.
ZIBORDI, Ciro Sanches. Erros Escatológicos que os Pregadores Devem Evitar. Rio de Janeiro: CPAD, 2012.
______________. Escatologia: a doutrina das últimas coisas. IN: GILBERTO. Antonio et al. Teologia Sistemática Pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 2008.